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Americana enfrenta ameaças e restrições para ensinar ciclismo a mulheres no Afeganistão

UOL Esporte

CLaudia Lopez/Divulgação

Símbolo de liberdade, a bicicleta tornou-se uma ferramenta da emancipação da mulher nos Estados Unidos no final do século XIX. O meio de transporte foi muito usado pela “new woman” (nova mulher) norte-americana, que reivindicava direitos e contestava seu papel na sociedade. Assim, a bicicleta deu liberdade de deslocamento e ajudou a mudar o vestuário feminino, que limitava movimentos.

É com base neste contexto histórico que a norte-americana Shannon Galpin fundou a Mountain2Mountain, organização sem fins lucrativos que ensina o ciclismo a mulheres em Cabul, no Afeganistão. Com o projeto, ela quer a bicicleta também seja um forte instrumento de luta pelos direitos das mulheres afegãs.

No país islâmico, as mulheres possuem alguns direitos restringidos culturalmente, como o der ir à escola, trabalhar em cargos do governo, dirigir e andar de bicicleta. Caso sejam vistas em alguma destas situações elas são punidas em público.

“As garotas e mulheres que conheci no Afeganistão vivem diariamente sob ameaça. Meninas são atacadas por irem à escola, e mulheres ainda são punidas publicamente por nada mais que andar sozinha, sem ter um homem acompanhando”, contou Shannon em entrevista ao Salto Alto.


Seu trabalho, portanto, também não é bem visto no país, o que não a impede de insistir em seu objetivo: garantir mais direitos a essas mulheres.

“Eu recebi ameaças, mas mudanças não são feitas facilmente. Receber ameaças significa que deveríamos parar de lutar por nossos direitos? Em algum ponto da história, toda liberdade foi conquistada. É preciso se arriscar, senão nada muda”, explica.

Ao chegar ao país para criar o projeto, em 2009, ela já começou a quebrar tabus, tornando-se a primeira mulher a andar de bicicleta no Afeganistão.

Hoje, ela luta para conseguir equipamentos e suporte para as ciclistas e já vê o sonho de um time olímpico feminino do Afeganistão.

''Eu quero ajudar com um treinamento e orientações de preparo físico para deixá-las prontas para correr e competir no futuro. Elas querem representar seu país em competições como os Jogos Asiáticos e até as Olimpíadas, mas ainda têm um longo trajeto pela frente''

Para manter este sonho e garantir que elas possam percorrer este caminho, Shannon adapta o projeto à cultura local, garantindo, por exemplo, que todas as mulheres que participam do projeto sejam acompanhadas por um treinador ou por um homem de suas famílias quando estão andando de bicicleta.

Ela também  tem a consciência de que mulheres que praticam o esporte ainda são raras no país e de que poucas pessoas sequer sabem que há mulheres andando de bicicleta no Afeganistão.

''Elas são insultadas quando homens descobrem o que estão fazendo, mas são jovens mulheres que cresceram após o regime do Talibã e agarram qualquer oportunidade de tentar coisas novas e fazer o mesmo que os garotos de sua idade fazem'', aponta, Shannon, esperançosa.

Shannon comemora a conquista das mulheres que participam do projeto, mas ainda teme pela segurança delas.

''O principal problema é a segurança de um esporte tão público. Você não pode andar de bicicleta dentro de uma academia. O ciclismo é um esporte público, que é praticado nas ruas. Além do perigo de andar em algumas vias tortuosas, elas precisam ser acompanhadas por algum homem'', explica.

A receita para solucionar estas duas questões já foi feita por Shannon, mas, por ainda não ter conseguido arrecadar dinheiro suficiente, ela não saiu do papel. A ideia é levar as ciclistas para treinar fora de Cabul, longe das represálias culturais e das ruas irregulares.

O ideal, no entanto, é que estas mulheres possam praticar o esporte sem preocupações e, como deseja Shannon, conquistem seu país.

(Por Júlia Caldeira)