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Baixinha da bike compete contra homens para tentar vaga na Olimpíada do Rio

UOL Esporte

As Olimpíadas do Rio, daqui a dois anos, são o sonho de consumo de toda uma geração de atletas. Priscilla Carnaval, uma jovem de apenas 20 anos, faz parte desta turma que está brigando com tudo o que pode oferecer para não deixar passar a chance de disputar os Jogos em casa. Com apenas 1,55 m de altura, a paulista tem montado em sua pequena bicicleta em busca de uma vaga no BMX. E a solução para superar as dificuldades que enfrenta no Brasil e manter sua evolução foi ousada: competir entre os homens.

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O BMX entrou no programa olímpico em 2008 e ainda corre para se estruturar no Brasil. Das pistas sem padrão olímpico à falta de competição, pelo fato de poucas meninas praticarem o esporte radical, Priscilla também acaba tendo de dar uma de economista e fazer contorcionismos financeiros para bancar seu sonho.

“Eu estava estudando também, arquitetura e urbanismo, mas esse semestre tranquei a faculdade para me dedicar só ao esporte e tentar evoluir. As Olimpíadas já estão chegando, então tenho que me preparar! Não é do dia para a noite que estarei em nível de pódio”, diz ela, ciente de que não basta competir em casa para brigar por um pódio.

A ideia de disputar provas entre os homens veio pela necessidade de se envolver em baterias mais competitivas. Num campeonato como a Copa do Mundo ou o Mundial, até 40 ciclistas largam em busca da vitória. No Brasil, ela se via entre cinco ou seis meninas.

Leticia Moreira/ Folhapress
Balé? Nem pensar. A família de Priscilla achou que o BMX seria uma fase. Bem pequena, ela foi colocada em aulas de balé, mas não se adaptou. Precisava de algo mais radical. "Devo muito ao meu irmão, sempre o imitei em tudo. Um dia, meu pai passou em frente ao BMX, meu irmão pediu para parar para vermos a corrida. Ele quis começar e logo eu falei que queria fazer também. Não me imagino mais sem isso, minha vida se tornou o BMX."
“Resolvi participar pelo menos nos campeonatos regionais – já que no Paulista não é permitido. No masculino há uma disputa maior, uma dificuldade maior e posso aprender a andar com pessoas de alto nível”, explica ela, que foi sexta do mundo na categoria júnior do bicicross, há três anos.

“Lá fora as meninas andam como os homens”, acrescenta Priscilla, que vê prós e contras em disputar com grandões e grandonas. “Em termos de agilidade é bom (ser baixinha). E até a campeã olímpica e bem pouco maior que eu. Mas a maioria dos homens e mulheres é bem maior e na hora de disputar a curva minha cabeça fica no ombro deles (risos). Por outro lado, fico meio ‘invisível’ na pista sendo pequenininha e aproveito o que tenho de melhor.”

Priscilla já passou por um período de treinos na Europa e admite que quando voltou à realidade brasileira “perdeu o chão”. A pista em que treina, em Sorocaba, pouco tem a ver com a que disputará, por exemplo, a Copa do Mundo, no fim de abril. Assim, ela já chega aos treinos oficiais com a desvantagem de ter de se adaptar ao percurso, enquanto as estrangeiras estão habituadas a se preparar em locais de nível olímpico.

O contorcionismo financeiro

Mas nem tudo é drama. Pelo menos não em 2014. Ano passado, Priscilla sofreu com a falta de verba e viu sua carreira em risco. Uma prestação de contas em aberto com o governo, deixou ela sem Bolsa Atleta. O valor de R$ 1.850 mensais fez falta, mas a paulista se virou como pôde e deu uma lição de como poupar o que recebe.

Se você imagina que este valor mensal do Bolsa Atleta vai embora no mês em que chega, ledo engano. Aliás, Priscilla até gostaria de poder investir tudo isso em sua preparação logo de cara. Mas aprendeu que deixar umas moedinhas no cofrinho é o melhor a se fazer. Para se ter uma ideia, a bicicleta da paulista vale R$ 5 mil, o capacete R$ 1 mil e as peças de reposição também têm de entrar na conta de gastos.

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“Preciso bancar academia, bicicleta, suplementação. Então fica a escolha pela necessidade maior. Se eu resolvo competir fora, preciso juntar dinheiro de vários meses, mas aí tenho de ter a noção de que vai faltar em outra ponta. Em 2013, quando fiquei sem a Bolsa, contei com o que tinha guardado do ano anterior”, contou a jovem que já gastou até R$ 8 mil para viajar e competir na Holanda. “Sozinha, sem técnico, sem nada. Cheguei lá e corri…”.

Em 2014, a Confederação Brasileira de Ciclismo passou a contar com apoio da Caixa, que desembolsará R$ 17 milhões em um contrato que dura até 2016. Isso possibilita a Priscilla e outras atletas terem apoio de nutricionista, psicólogo e também a viajar para etapas da Copa do Mundo – o que ela vinha tendo dificuldades para fazer, muitas vezes pagando para o bolso. A situação melhorou, mas não é o bastante.

“São eventos que não dá para faltar, dão pontos para o ranking que define as vagas olímpicas. Mas chegamos lá direto para a competição mais importante da temporada em vez de ter mais tempo para se preparar. Se competisse mais entre as melhores do mundo, não estranharia, como tem acontecido.”

Priscilla sabe que não é a única tendo de encarar as subidas e descidas de um atleta olímpico no país. E por isso mesmo não desanima. Das vezes em que teve de pegar emprestada a bike do irmão (“um caminhão”) aos perrengues que viveu para competir, muitas vezes sem peças de reposição, ela vai “rampando” cada obstáculo. Neste fim de semana, volta à pista para mais uma vez desafiar os homens. Pedalada a pedalada, com o Rio de Janeiro como linha de chegada.

Maurício Dehò
Do UOL, em São Paulo