Blog Salto Alto

Fisiculturistas não são só músculos. E ela vai provar isso virando delegada

UOL Esporte

Veja Álbum de fotos

Leticia Caron se senta para acompanhar mais uma aula do último ano do curso de Direito. Abre de um lado os cadernos. Do outro, uma marmita reforçada, atraindo olhares de estranhamento. São os dois mundos que se juntam em sua movimentada e cronometrada rotina: o sonho de virar delegada e o trabalho pesado para ser uma campeã no fisiculturismo. Podem parecer escolhas opostas – “o pessoal acha que fisiculturista só malha”, ouve ela, sobre o preconceito recorrente -, mas a paranaense tenta provar que as coisas não são bem assim.

Desde cedo a loira de 27 anos combina os gostos pelo esporte, pela leitura e também por moda. Cada um influenciou aspectos em sua vida que a levaram aonde ela chegou hoje. A Letícia atleta já fez de tudo um pouco: natação, judô, tênis, capoeira. As lutas eram um problema. Ela gostava, mas o pai temia que influenciassem negativamente no desenvolvimento do corpo.

Arquivo Pessoal
Foi só aos 20 anos, já mais independente, que ela passou a lutar muay thai. Foi aluna da Chute Boxe em Curitiba e via estrelas como Wanderlei Silva e Cris Cyborg treinando. “Era inspirador”, conta ela, que junto ao muay thai passou a malhar mais pesado. Foi daí que o corpão foi se moldando.

Como frequentou uma escola de modelos e já trabalhava na área, Letícia teve a mudança física notada rapidamente. Passou a ser chamada por empresas de fitness para estrelar propagandas e ganhou um incentivo. “Eu assinei contrato como modelo de fitness e as empresas de suplementação passaram a me dizer que eu devia competir no fisiculturismo. Ano passado participei de três e tive êxito em todos”, conta a paranaense.

Letícia compete na categoria “wellness” (ou bem estar), que é considerada a mais suave do fisiculturismo. Nela, as atletas mostram músculos definidos, mas são menos fortes do que em outras disputas e precisam mostrar tanta feminilidade quanto força. Mesmo sendo o que ela chama de “categoria bebê”, ela ouve muito.

“Eu sempre gostei de corpo sarado e realmente existe muito preconceito. Mas hoje a aceitação é muito maior”, analisa ela, que diz ter medidas normais, com 102 cm de quadril e 60 cm de coxa.

Ao frequentar ambientes tão díspares, do esporte para o direito, Letícia sabe que é observada. Curiosamente, são suas tatuagens que causam mais estranheza, já que as roupas escondem a definição dos músculos. “Trabalho como estagiária na área cível e tenho de estar sempre de terno, camisa social, bem apresentada. E eu noto que tem mudança de comportamento de acordo com como me apresento. Se eu chegar assim, é: ‘doutora, o que vc precisa?’. Se chegar com tatuagem à mostra, já pego senha para o fim da fila.”

O caminho do Direito veio de pequena, quando Letícia se interessou por livros e filmes policiais. “Quem me conhece fala que nasci para ser delegada”, diz ela, que já começa a se preparar para prestar concursos e começar a carreira na área tão logo se forme.

“Está no meu sangue. Desde nova sempre me interessei, e a escola levava a gente conhecer a academia de polícia, quartel. Gosto de estudar perfil psicológico, legislação. Toda a questão social que envolve o direito penal sempre me fascinou, sempre quis fazer parte disso”, explica ela, que precisa passar por diversas provas intelectuais e físicas para virar delegada, profissão sempre muito concorrida.

Arquivo Pessoal
Para Leticia, uma carreira ajudou a outra. “Dentro do fisiculturismo temos grandes intelectuais, gente que estuda fisiologia, sabe exatamente o que cada suplemento faz. O pessoal acha que é só malhar e que não exige cérebro. E não é nada assim”, diz ela.

Ao fim da faculdade, Letícia vai girar o Sul do país para buscar uma vaga de delegado. A manutenção do corpo e até a presença em alguns eventos podem acabar prejudicadas. Enquanto isso não acontece, ela segue sua rotina apertada para manter todos os sonhos vivos.

“Eu hoje tenho uma rotina tipo militar para conseguir conciliar tudo. Não paro em casa, carrego bolsa de alimentos e suplementos para onde vou… O estranhamento que sinto é mais do pessoal do Direito, quando eu abro minha marmita com frango e preciso comer de três em três horas, até na sala de aula. O pessoal estranha”, conclui.

Maurício Dehò
Do UOL, em São Paulo