Ela é campeã mundial de levantamento de peso, mas faz faxina para competir
UOL Esporte
Rotina de atleta é dura, isso qualquer um sabe. Mas a levantadora de peso Ana Rosa Castellain, de 28 anos, cruzou fronteiras: manteve três empregos, dormindo só quatro horas por noite, para poder se sustentar e continuar treinando. E assim ela foi Campeã Mundial de Powerlifting em 2013, na Noruega. No mesmo ano, na Colômbia, foi campeã dos World Games 2013. O powerlifting é uma das categorias de levantamento de peso, menos badalado do que o esporte-irmão, levantamento olímpico. O powerlifting inclui os movimentos de agachamento, supino e levantamento terra.
“Até 2012, eu trabalhava em três lugares: numa loja de esportes de manhã, como diarista à tarde, numa academia à noite, como instrutora, e fazia duas matérias da faculdade. Eu era liberada do trabalho à noite uma vez por semana para poder estudar e me manter no estágio na academia”, conta Ana Rosa.
Ela diz que no final de 2012 voltou a receber a Bolsa Atleta, que significa carca de R$ 1850 por mês, insuficientes para pagar tanto as competições quando as despesas pessoais e de treinamento. “Se somar as competições no nosso calendário, é o valor da bolsa. Dou como exemplo esse ano: tem Campeonato Brasileiro, Mundial de Levantamento Raw na África do Sul, o Sul Americano no Equador, e um de levantamento equipado, categoria na qual sou que sou campeã mundial, que é nos EUA. Se eu for em todos esses eventos, e preciso ir para ter resultados que garantam a Bolsa Atleta, fecha em R$ 18 mil por ano, se não houver imprevistos”, contabiliza a atleta, que mora em Blumenau. “Em Itu, a participação no Campeonato Brasileiro custou R$ 900, entre hotel, hospedagem, transporte, teste antidoping. É muito caro.”
“Hoje eu voltei a fazer faxina. Sabendo que eu tenho competição, como vou me sustentar só com a bolsa? Não dá para ser uma atleta de qualidade. Só em suplementos o custo é de R$ 400 por mês. Fiz tudo que eu podia, e não tive retorno e apoio de nenhuma empresa. Tentei e continuo tentando patriocínio”, desabafa. Na volta do mundial, ela perdeu o emprego na academia onde fazia estágio, em Blumenau. “Eu passei dois meses cobrindo a vaga de outro professor, e meu nível de estresse chegou num ponto insuportável. Chegou ao ouvido dele o boato de que eu queria sair e ele me demitiu.” Sobraram as faxinas, que rendem a ela cerca de R$ 1800 por mês. “Tenho aula na faculdade, comida pra fazer, tenho que treinar. Não dava para aceitar outro estágio em academia porque em Blumenau se paga no máximo R$ 600 reais. A faculdade sozinha custa R$ 700.”
Ela tentou se manter só com a Bolsa Atleta até o Campeonato Mundial sem equipamento de suporte (levantamento raw) que vai encarar, em 3 de julho, na África do Sul. “Mas não deu, tive que voltar a faxinar no final de abril, senão as contas não iam fechar. Cobro entre R$ 100 e R$ 120 o dia trabalhado.” Ela tem apoio de da Farmatriz, farmácia de manipulação em Ribeirão Preto, e quando se formar, cogita a possibilidade de mudar-se para lá. “Lá, as pessoas me conhecem mais. Entrei em três academias e as pessoas sabiam quem eu era. Aqui ninguém sabe quem eu sou. Se essa mudança acontecer, não preciso mais trabalhar tanto, me preocupar se vou ter dinheiro para ir para competição.”
“Eu faço meu esporte por amor. Eu não sou cobrada diante de um governo ou de um técnico pela obrigação de ganhar. Eu vejo as meninas serem cobradas, e não quero isso pras meninas que eu treino. Vejo os técnicos botando pressão nas meninas, e isso faz parecer uma obrigação”, conta a atleta. Ana Rosa tem um filho de 10 anos, João Guilherme, que mora com o pai em uma cidade a 40 minutos de Blumenau. “Ele passa o fim de semana comigo, e as férias”, diz ela, que conta que a decisão foi tomada junto com o filho, quando ela decidiu que queria voltar a estudar – ela deve se formar em Educação Fìsica no meio do ano, o que alivia as contas e deixa mais tempo livre. “Afinal, ninguém quer ficar na mesma para sempre, né?”, diz a atleta.