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Antes “coisa de mulher”, tratamento nos pés entra na rotina de jogadores

UOL Esporte

 

 

O cuidado dos jogadores de futebol com a aparência não fica restrito aos cabelos estilosos. Muitos atletas também procuram ajuda de especialistas em áreas que não são vistas pelo público e que podem ajudar no desempenho em campo. Clubes de elite do Brasil usam podólogos para tratar os pés de seus jogadores, mas ainda precisam superar o preconceito de fazer com que eles encarem um tratamento que é considerado ''coisa de mulher''.

“No passado tinha preconceito, mas agora mudou muito. Muitos falavam que não iam tratar por ser ‘coisa de mulher’. Mas depois da primeira vez, alguns até pedem desculpa”, diz  Ezequiel Pereira da Rocha. Com 20 anos de profissão, já passaram por suas mãos os pés de grandes craques, como Rogério Ceni, Ronaldo Fenômeno e Roberto Carlos. Hoje ele atende os jogadores do Corinthians.

A podologia virou prioridade para muitos clubes e atletas não apenas pela vaidade, mas pela necessidade. A maioria dos boleiros sofre com calos, unhas encravadas ou pisões que provocam dor e os impede de chutar a bola da maneira ideal.  Por isso, talento, obediência tática e preparação física exemplar não são suficientes. Há quem diga até que podólogo ganha jogo.

Muitos jogadores só conseguiram entrar em campo para decidir jogos graças às mãos santas destes profissionais. “Costumo dizer que é automático. Quando você toma um choque, você tira o corpo. Com o pé também. Quando você está com uma unha encravada ou inflamação, você faz de tudo para que aquela região não seja tocada, você poupa a área, às vezes até de forma inconsciente”, explica o podólogo do Botafogo, Bruno Gallart.

O lateral esquerdo do Botafogo, Julio Cesar, aprova o trabalho de Bruno. “Tenho unha encravada por causa da chuteira. Meu pé é feio, não tem jeito. Mas quando está com a unha encravada ajuda muito, pois isso pode até tirar de um jogo. Já me salvou em algumas oportunidades”, disse.


Rafael, do Santos, postou em seu Instagram foto em que trata os pés no podólogo

Bruno é integrante fixo da comissão técnica, participa de treinos, jogos e algumas viagens. Ele tem convicção que foi peça fundamental na conquista da Taça Guanabara deste ano. A poucas horas da final contra o Vasco, ele curou um problema sério no pé do zagueiro Bolívar, que deu o passe para Lucas fazer o gol do título.

“Se eu não meto a mão rápido, ele não joga. Ele recebeu um pisão sem querer de um outro atleta, e a trava da chuteira pegou bem no dedão. Na mesma hora, ficou aquele sangue 'pisado'. Se eu não dreno, ia começar a latejar, o sangue coagula debaixo da própria unha, eu teria que fazer a extração da unha. Com isso, ele ficaria fora da final e não daria o passe para o Lucas”.

Ezequiel também precisou mostrar serviço em situações de emergência. Ele conquistou o emprego no São Paulo em 1992 quando implantou uma unha postiça no lateral esquerdo André Luiz que estava prestes a ser cortado do Mundial de Clubes. Anos mais tarde, virou uma noite para tirar a calosidade do pé infeccionado do então meia do Corinthians Ricardinho. Deu sorte. O jogador marcou um gol no clássico contra o Santos.

Atualmente, as sessões de podologia já fazem parte da rotina dos boleiros, assim como as consultas com a nutricionista ou as sessões de fisioterapia. Em clubes como Cruzeiro, Atlético-MG, Botafogo, Inter, Corinthians e São Paulo eles passam pelas mãos dos profissionais semanalmente ou em um intervalo de quinze dias.

O tratamento profissional fez muitos deles perderem o preconceito por considerarem a atividade feminina. Os mais vaidosos, inclusive, pedem os serviços com frequência, o que também não é indicado para que o pé não fique muito fino.

O lateral direito do Corinthians, Alessandro, é fã do trabalho de Ezequiel. ''É importante, porque a gente toma muito pisão, tem muito problema no dedo. A galera faz fila [quando o Ezequiel vem]. Os maiores problemas são as bolhas no início de temporada, porque você não está acostumado com a chuteira. Depois você tem problema com a unha, por causa dos pisões. Sempre tem unha encravada''.

Ezequiel garante que os belos pés ajudam até a conquistar a mulherada. “Já teve jogador que teve os pés elogiados por mulher. Já chegaram até a passar o telefone para meninas, pois elas tinham gostado dos pés deles”, conta ele que estabeleceu uma relação de intimidade com os atletas pelo tempo de convivência. “Sei dos problemas, da saudade que eles sentem. Você vira uma espécie de conselheiro. Ouço muito, dou risada e choro junto com eles”, completa.

O pensamento é compartilhado pelo podólogo do Internacional, Aires Charão, que trabalha no ramo desde 1989. “Já ouvi muita coisa de jogador e é natural, pois você cultiva uma amizade com eles. Tem até que ser um pouco conselheiro, mas tudo fica entre quatro paredes. É mais para ouvir e falar pouco”.

  • Ronaldo Fenômeno sofreu com bolhas no pé esquerdo por causa de chuteiras

RONALDO FENÔMENO, ROGÉRIO CENI, SEEDORF: OS PÉS DOS BOLEIROS

Muitos jogadores famosos fazem tratamento especial nos pés pela vaidade ou para evitar calos, bolhas, unhas encravadas e micose. Ezequiel conta que Rogério Ceni já é paciente assíduo desde 1992 e, por isso, não sofre com problemas graves. Já Ronaldo Fenômeno é vaidoso.

“O Ronaldo veio de outra cultura, já tratava na Europa, pois lá é uma coisa bem comum. A preocupação é bem maior por lá, até pela temperatura que varia bastante. Ele é vaidoso, mas é um cara muito inteligente. Sabe se cuidar e sabe que o tratamento estético aliado ao funcional é importante”.

No Botafogo, o mais vaidoso é o meia Seedorf. De acordo com o podólogo Bruno Gallart, o holandês é fã de massagens e cremes hidratantes.  “Ele é muito vaidoso, bem cuidado, brinco com ele que está de parabéns. Ele pede para deixar o pé mais liso. Como sei que ele gosta, eu faço uma boa massagem a base de creme para não deixar os pés ressecados”.

Já o atacante Loco Abreu não tinha o hábito de cuidar dos pés quando chegou ao Botafogo e até apelidou o podólogo de ‘Arranca Dedos’, mas depois se encantou com a prática. “Ele viu que era algo diferente e novo. Se eu deixasse, vinha toda semana”.

O trabalho dos especialistas dos pés não está ao alcance somente dos profissionais do mundo da bola. Qualquer pessoa, atleta ou não, pode contratar o serviço dos podólogos – seja para tratar algum problema ou apenas por questões estéticas. O custo de uma sessão básica na cidade de São Paulo, por exemplo, custa por volta de R$ 100 com uma hora de duração.

(Por Luiza Oliveira e Rodrigo Farah)