Única técnica da Superliga revela choro com críticas e dívidas após calote
UOL Esporte
O nome de Sandra Mara Leão já dá boas mostras de sua personalidade. Desde pequena, precisou ser guerreira para vencer e ocupar um nobre espaço no esporte nacional como a única mulher a comandar um time na Superliga desta temporada. À frente do Uniara/Afav ela relembra todas as dificuldades que enfrentou com boas doses de dramas pessoais, lágrimas e problemas financeiros.
Sandra é técnica da equipe feminina de Araraquara há sete anos e neste ano chegou pela primeira vez à principal competição nacional. Apesar do tempo de estrada, ela admite que ainda passa por um processo de adaptação ao cargo e que o início foi difícil quando chegou a chorar com as críticas.
“Eu já sofri muito, eu sofria sim. Sofri, cheguei a chorar, me deprimia com alguma coisa”, diz ela que adotou uma postura diferente nos últimos tempos. “Eu passei a ver as coisas de um outro jeito. Hoje eu preciso da crítica, hoje é importante o que a pessoa fala. Se for bom, ruim, gostoso, difícil de ouvir, mas é isso que vai me ajudar a me transformar, me ajudar a permanecer”, afirmou.
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Sandra acredita que todos ainda estão se adaptando à novidade e que até jogadoras e árbitros estão aprendendo a lidar com uma mulher em um posto ocupado por homens. Mas essas não foram as únicas dificuldades encontradas pela treinadora.
Em seus 46 anos, mais de 30 dedicados ao vôlei, ela enfrentou até dificuldades financeiras e acumulou dívidas depois de levar um calote. A técnica conta que treinava o time de uma cidade do interior (o nome não foi revelado) quando a prefeitura da cidade, que patrocinava a equipe, desistiu do projeto com ele ainda em andamento.
Mesmo sem muitas condições, Sandra se comprometeu a usar o próprio bolso para arcar com os custos do time e bancou sozinha despesas que incluíam contas de água e luz, moradia para atletas e até os salários das jogadoras.
“Teve um tempo em que eu paguei pra trabalhar, criei muitas dividas até chegar à Superliga. Por muitos anos – não foi em um ano só, o que eu ganhava não cobria o que eu gastava com a equipe. Infelizmente, encontrei pessoas sem palavra. Eu acreditava na palavra das pessoas e a dívida ficava comigo”.
“Mas foi uma aposta minha, um desejo meu, eu tinha um objetivo a ser alcançado, as pessoas não entendiam porque a conta foi aumentando, a dívida foi aumentando, as pessoas falavam ‘não tem logica. Não vai dar certo’. Um tio uma vez chegou pra mim e perguntou: ‘aonde você quer chegar com tudo isso?’. Eu falei: ‘eu tenho uma meta e enquanto eu não chegar, eu não vou parar’”.
A determinação e a dedicação ao vôlei vem de outro momento difícil na vida. Sandra se envolveu com o esporte depois da morte do pai, quando tinha apenas nove anos de idade e sofreu com problemas psicológicos.
“Meu pai faleceu e eu parei de falar. Eu tinha feridas pelo corpo todo, tive muitos problemas emocionais. Não assimilava que eu não ia mais encontrá-lo. Por indicação médica, minha mãe me botou no vôlei. Mas eu só atrapalhava. Até que um dia ouvi algo que não gostei e falei: ‘a partir de hoje ninguém vai dizer que sou ruim, ninguém vai me zoar, nem rir de mim’. Comecei a me dedicar e me apaixonei”.
Agora, as lutas de Sandra são outras. Sem sonhos distantes, sua meta é manter o Uniara na Superliga na próxima temporada. A tarefa não é simples, já que o time ocupa a 11ª colocação em um torneio com 14 equipes em que as duas piores são rebaixadas. Mas ela aprova o desempenho das novatas que conquistaram quatro vitórias até agora e está otimista.
Toda essa força vem também de uma inspiração: Isabel Salgado. A ex-jogadora da seleção e uma das principais atletas do vôlei brasileiro foi a primeira mulher a ser técnica de um time na Superliga quando dirigiu o Flamengo na edição 1999/2000 e o Vasco no ano seguinte.
Sandra se inspira na precursora para trilhar seu caminho. “Isabel era meu ídolo, já como jogadora. Depois, ela se tornou o grande desafio de como uma equipe se portaria com uma mulher, era minha referência feminina, de ver que era possível. As pessoas falavam que eu não ia conseguir, eu dizia: ‘mas ela foi’. Ela era meu grande estímulo para não desistir, independentemente dos problemas e das dificuldades. Me servia como ânimo, estímulo ou aquela palavra que ela nunca me deu mas eu imaginava o que ela poderia estar falando para mim”.